Um levantamento exclusivo realizado pela Leme Consultores revela que a legalização das bets municipais no Brasil poderia render cerca de R$ 11,6 bilhões por ano em arrecadação federal. Encomendado pela Associação Nacional de Loterias Municipais e Estaduais (Analome), o estudo defende a descentralização da exploração de apostas, permitindo que municípios possam criar suas próprias loterias e casas de apostas.
Segundo o estudo, quase R$ 8 bilhões desse total poderiam vir de pequenas e médias empresas que hoje atuam à margem da legalidade por não conseguirem pagar a cara outorga federal. Ao possibilitar outorgas mais baratas em nível municipal, essas operadoras poderiam se formalizar e contribuir com tributos — ampliando a base de arrecadação sem criar novos impostos.
Modelo atual concentra a regulação no governo federal
Hoje, a regulamentação das apostas de quota fixa — como apostas esportivas e jogos online — está sob responsabilidade da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), vinculada ao Ministério da Fazenda, e dos governos estaduais. O setor é regido pela Lei nº 14.790/2023, conhecida como “Lei das Bets”, que estabeleceu os critérios de autorização, tributação e operação para as empresas do ramo.
O custo da outorga federal gira em torno de R$ 30 milhões, o que inviabiliza o ingresso de muitos operadores de menor porte. A proposta de regulação municipal, portanto, surge como uma alternativa mais acessível, especialmente para empreendedores regionais.
STF já discute legalidade de bets municipais
A constitucionalidade da atuação dos municípios no setor de apostas está em debate no Supremo Tribunal Federal (STF). Em março de 2025, o partido Solidariedade entrou com uma ação questionando leis e decretos municipais que criaram sistemas próprios de apostas.
O argumento central é que a competência para legislar sobre sorteios e consórcios é exclusiva da União, o que tornaria inconstitucional a atuação municipal no setor. A ação está sob relatoria do ministro Kassio Nunes Marques. A Procuradoria-Geral da República (PGR) também moveu ação semelhante, reforçando o debate jurídico sobre o tema.
Especialistas divergem: autonomia x riscos regulatórios
A proposta de descentralização divide opiniões. Para a diretora jurídica da Analome, Sofia Signorelli, o momento é ideal para repensar o modelo atual:
“É chegada a hora de garantir o respeito à autonomia municipal e difundir boas práticas em relação à regulação da atividade lotérica no Brasil”.
Na mesma linha, o tributarista Menndel Macedo argumenta que legalizar as apostas em nível municipal é uma medida moderna, inteligente e sem aumento de carga tributária:
“Negar aos municípios essa competência fere o princípio da autonomia e atrasa o aproveitamento de uma fonte legítima de receita pública”.
Já o advogado Ticiano Gadêlha, especialista em regulação, alerta para os riscos de descentralização sem infraestrutura adequada:
“O país mal começou a fiscalizar o mercado e já se discute repassar essa responsabilidade. Sem estrutura e segurança jurídica, isso pode agravar um cenário que ainda é instável”.
Conclusão: descentralizar ou reforçar o modelo atual?
A discussão sobre a regulamentação das bets municipais coloca em choque dois princípios fundamentais: a autonomia federativa dos municípios e a segurança regulatória de um setor ainda em consolidação.
Enquanto especialistas apontam o potencial de arrecadação e inclusão de pequenos operadores, outros alertam que a descentralização precoce pode comprometer a credibilidade e a fiscalização de um mercado ainda em fase inicial de maturação.
Fonte: Estadão